Som revela rios 'escondidos' e subterrâneos na cidade de SP, que ainda podem ser ouvidos no Centro; veja mapa

  • 12/07/2025
(Foto: Reprodução)
Na capital paulista, há mais de 800 rios e, apesar de a maioria estar soterrada ou canalizada, ainda dá para ouvir o 'chuá, chuá' no meio do caos. Onde escutar os rios escondidos em São Paulo? Um estudo publicado na revista científica PNAS concluiu que a exposição a sons naturais tem efeitos poderosos. O som da água corrente deixa o cérebro em um estado de atenção relaxada, que é quando estamos atentos ao ambiente, mas de forma leve e sem esforço — o oposto do que o dia a dia das cidades provoca no corpo. O resultado: menos estresse, ansiedade e, ao final do dia, um sono melhor. Em São Paulo, esse som quase esquecido em meio ao barulho de carros, sirenes e construções ainda resiste. E é possível escutá-lo, inclusive, no Centro. Isso porque avenidas como a 9 de Julho e a 23 de Maio ou a região do Vale do Anhangabaú, por exemplo, já foram rios há cerca de 200 anos. Mas o crescimento de São Paulo, no final do século XIX e começo do XX, escondeu as águas do Rio Saracura e do Córrego Itororó debaixo da terra. O Projeto Rios e Ruas, que reflete sobre o futuro das cidades, contabilizou cerca de 800 rios e córregos subterrâneos na cidade de São Paulo — a prefeitura reconhece cerca de 300 —, somando de 3.000 km a 4.000 km Apesar de muitos não estarem visíveis hoje em dia (soterrados, canalizados ou escondidos atrás de muros), alguns cursos d’água ainda podem ser ouvidos em parques, trilhas e até em avenidas barulhentas. São registros raros, mas que revelam como a cidade foi construída sobre a água, além de mostrar como os rios seguem presentes no cotidiano do paulistano. Para o arquiteto e urbanista José Bueno, fundador do Rios e Ruas ao lado do geógrafo Luiz de Campos Jr., a ideia de que os rios são "um problema" à cidade foi implantada na consciência da população paulistana e "resolvido" pela engenharia com canalização e tamponamento — processo de cobrir ou fechar um rio. "A significância que os rios tiveram como problema trouxe com ela as soluções de obras. E a população, durante muito tempo, agradeceu e elegeu muitos governadores porque eles resolveram esses problemas canalizando, tamponando, tirando os rios da paisagem. Será que a gente vai continuar dando as costas e nos afastando dessa riqueza, da necessidade de termos a água convivendo com a cidade?", indaga Bueno. Nascente do Rio Sacaruca João de Mari/g1 Segundo o professor de geografia Andrio Soares, mestrando em geografia humana na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador de cartografia ambiental e análise de solos e paisagem, para vê-los e ouvi-los é preciso de olhares e ouvidos atentos. "A cidade excluiu os rios e o nosso olhar para os rios, além dessa relação com o ambiente. Em dias de chuva é possível observar o afloramento de água em regiões de nascente e no trajeto que os rios ainda fazem nas cidades." Com auxílio do geógrafo, o g1 percorreu alguns locais no Centro de São Paulo onde — acredite — ainda é possível ouvir o som relaxante. Nesta reportagem você vai ver (e ouvir): Nascente do Rio Saracura; Bacia do Rio Saracura; Escadão Frei Caneca; Córrego Anhanguera ; Córrego Anhangabaú; Cidade adoecida. O roteiro, com cerca de 2,5 km, começa na região da Avenida Paulista e segue até o Terminal Bandeira. Na jornada em busca do som dos rios, o g1 caminhou por pelo bairro do Bixiga, conhecido pelo caminho do Rio Saracura, pela Avenida 9 de Julho e o entorno da estação Anhangabaú do metrô, na Linha 3-Vermelha. Clique para escutar o som dos rios "escondidos" no mapa abaixo. Nascente do Rio Saracura O Saracura está soterrado, mas em dias de chuva forte ou em certos pontos da Bela Vista e da Avenida 9 de Julho, entre a Praça 14 Bis e o Terminal Bandeira, é possível escutar o som da água fluindo sob as bocas de lobo e bueiros. Quando olhar na tampa de um bueiro e estiver escrito 'águas pluviais' é porque, geralmente, são galerias com rios canalizados. Na atual estrutura das cidades, eles direcionam as águas de chuvas e, consequentemente, dos rios, para galerias subterrâneas, evitando alagamento. Não é que o rio sumiu, ele sempre esteve aqui. A nascente está localizada na Rua Garcia Fernandes, próxima à Avenida Paulista. A rua, que não tem saída, abriga uma espécie de praça onde é possível ouvir o som do rio ao se aproximar de um dos bueiros escondidos atrás das plantas. No local, a temperatura é mais baixa do que em outros pontos da cidade devido à vegetação. Em um muro de um terreno vazio, dá para ver uma série de pontos de encanamentos. Segundo o professor, a estrutura é comum em áreas de nascente, porque a água "vai sair, de um jeito ou de outro", diz ele. Também há uma arte na parede com os dizeres "aqui tem uma nascente". Segundo o professor, a estrutura com os 'furinhos' é comum em áreas de nascente, porque a água "vai sair, de um jeito ou de outro" João de Mari/g1 Em seguida, para seguir o caminho do rio, basta descer a Rua Rocha em direção à Avenida 9 de Julho. O encontro com a Rua Una e Cardeal Leme é onde se forma a bacia do rio — área geográfica onde a água da chuva escoa para um rio principal e seus afluentes. Geógrafo Andrio Soares sobre a bacia do Rio Saracura João de Mari/g1 Segundo o pesquisador Soares, para localizar uma bacia hidrográfica no meio da cidade basta olhar para a fisionomia do local. "Tem regiões altas dos dois lados, e o Centro é mais profundo do que as extremidades, como se fosse uma 'concha'. Esta é a estrutura de todos os rios", explica. Nesse local de encontro, há uma placa identificando a bacia do Rio Saracura. Ou seja, é como uma espécie de coleta e direcionamento das águas para um único sistema fluvial. Agora, é só seguir até a Avenida 9 de julho, "por cima" do rio. Ou, se preferir, chamar de Rua Cardeal Leme. Escadão Frei Caneca No local, para ouvir o rio Saracura em alto e bom som, é só subir o primeiro lance de escadas João de Mari/g1 O nome Saracura faz referência a uma ave típica da região e inspirou o apelido do bairro do Bixiga, além de estar presente em sambas da escola Vai‑Vai. No passado, o Saracura já foi um rio aberto com cerca de 2  metros de largura onde dava até para nadar. Ele foi completamente canalizado para dar lugar à infraestrutura urbana no final do século XX. Em períodos chuvosos, no entanto, parte de sua água emerge em pontos como a Praça 14 Bis, inundando levemente, reforçando sua presença invisível sob o asfalto. Caminhando pela Avenida 9 de Julho em direção ao Terminal Bandeira, o g1 chegou ao Escadão Frei Caneca, escadaria que conecta a área do antigo Vale do Saracura (hoje ocupado pela Avenida 9 de Julho) até a parte mais alta da cidade, onde fica a Rua Frei Caneca e o entorno da Rua Avanhandava. Escadão Frei Caneca João de Mari/g1 Antes de subir os degraus da praça, que tem muita sujeira e pessoas em situação de rua, dá para reparar na estrutura dos diversos canos em um dos muros. "Quando você tem uns pontos de encanamentos nas paredes, há nascentes de água. Esses lugares, entre o século XVIII e o XIX, eram lugares de coletas de água. Fossem os viajantes que entravam e saáam da cidade ou as pessoas que já viviam no local", afirmou Soares. Lá, para ouvir o Rio Saracura em alto e bom som, é só subir o primeiro lance de escadas. Ao olhar para a direita, é possível ver um bueiro. Mais para cima, antes de atravessar a Rua Frei Caneca, o som das águas ecoa da boca de lobo próximo à escadaria. Córrego Anhanguera O nome Anhanguera vem do tupi e é traduzido como “diabo velho” ou “diabo antigo” João de Mari/g1 Outro rio urbano canalizado e quase totalmente subterrâneo, hoje invisível, é o Córrego Anhanguera. Ele atravessa bairros como Consolação, Vila Buarque, Santa Cecília e Barra Funda. Deságua no Córrego Pacaembu, que segue para o Rio Tietê. Ele nasce em duas frentes principais: uma na Rua da Consolação e na Rua Maria Antônia. Outra na Avenida Higienópolis. No Belvedere Roosevelt, localizado na Praça Roosevelt, após o cruzamento da Rua Augusta, há intervenções artísticas com os dizeres: "Aqui passa um rio". Segundo o Projeto Rios e Ruas, o nome Anhanguera vem do tupi e é traduzido como “diabo velho” ou “diabo antigo”, indicando a relação ambígua que esse rio tem com a paisagem paulistana — presente, mas invisível e até temido pelas inundações e pela infraestrutura subterrânea. Não dá para colocar de novo o rio na nossa frente, mas a gente pode virar o nosso olhar, o nosso escutar, o nosso interesse, o nosso desejo de rever a forma como a cidade se desenvolve, não mais esquecendo e tamponando e desmatando, mas cultivando, preservando e cuidando do que merece ser cuidado", disse o arquiteto e urbanista José Bueno. Dá para ouvir o rio em uma boca de lobo, localizada na parte superior do muro com os dizeres sobre o Anhanguera. Córrego Anhangabaú O roteiro acaba na região do Largo da Memória, próximo à estação Anhangabaú do metrô, e do Terminal Bandeira. Situado num ponto estratégico do relevo da cidade, um espigão entre duas bacias hidrográficas — a do Rio Tamanduateí (Leste) e a do Rio Tietê (Oeste) —, o local é onde nasciam córregos, como o Anhangabaú, que descia em direção ao vale do mesmo nome. No projeto original, ficava dentro de uma bacia com água, simbolizando a celebração ao fim de uma longa seca João de Mari/g1 O Córrego Anhangabaú é um dos cursos d’água mais importantes e simbólicos da cidade, apesar de estar totalmente canalizado e invisível. Ele deu nome ao famoso Vale do Anhangabaú, no Centro da cidade, e sua história se mistura com o próprio crescimento urbano da capital. Para imaginar essa divisão dos grandes rios, dá para subir nas passarelas do terminal de ônibus. Antigamente, onde há asfalto havia água. "O Terminal Bandeira é justamente o grande encontro desses dois grandes rios que vão para o Vale do Anhangabaú. Aqui era uma planície, mas tem relatos de criação de cabra", disse Soares. No Largo da Memória, está o Obelisco do Piques, monumento erguido em 1814 e considerado o mais antigo de São Paulo. No projeto original, ficava dentro de uma bacia com água, simbolizando a celebração ao fim de uma longa seca. Era ponto de coleta de água para quem chegava ou saía de São Paulo. Ali, os bueiros do local relembram que um dia a água ocupou aquele espaço. É possível ouvir a água mesmo no caos barulhento do triangular entre a Rua Coronel Xavier de Toledo, a Ladeira da Memória e a Rua Quirino de Andrade, bem próximo à Rua 7 de Abril e ao Vale do Anhangabaú. Cidade adoecida Ouvir sons da natureza, especialmente água corrente e canto de pássaros, é associado a benefícios concretos para a saúde física e mental. A pesquisa da PNAS e estudos clínicos demonstram que esses sons podem: Reduzir respostas fisiológicas ao estresse; Melhorar humor, bem-estar e cognição; Minimizar sintomas de ansiedade e dor. E, por isso, em São Paulo, ouvir os rios nunca se fez tão necessário, na visão de Soares e Bueno. "São Paulo está doente. É uma cidade adoecida, embrutecida, cada vez mais desumanizada. E a exclusão da natureza faz parte disso", diz Bueno. "Você não ter sombra na cidade, você não ter lugar de repouso, de desfrute, poder visitar um amigo caminhando na beira de um rio." "O próprio Rio Pinheiros ou o Rio Tietê, muitos vão falar que aquilo lá é esgoto a céu aberto, sequer tratam como rios. Precisamos de uma nova urbanização, que inclui uma nova relação com os recursos naturais, como a beleza natural dos rios", finaliza.

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/07/12/som-revela-rios-escondidos-e-subterraneos-na-cidade-de-sp-que-ainda-podem-ser-ouvidos-no-centro-veja-mapa.ghtml


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