'Estamos com muito medo, essa noite ninguém conseguiu dormir na aldeia', diz cacique que teve filho decapitado em região de conflito no Paraná
14/07/2025
(Foto: Reprodução) Corpo de Everton Lopes Rodrigues, de 21 anos, foi encontrado em área rural de Guaíra, no oeste do estado. Carta com ameaças contra indígenas estava foi encontrada com a vítima. Bernardo Rodrigues Diegro, cacique da Aldeia Yvyju Avary, de Guaíra
Arquivo pessoal
O cacique Bernardo Rodrigues Diegro, pai do jovem indígena assassinado próximo à aldeia Yvyju Avary, relatou um cenário de medo e insegurança em Guaíra, no oeste do Paraná, onde o crime aconteceu.
O indígena Everton Lopes Rodrigues tinha 21 anos e foi encontrado decapitado no sábado (12). Junto à vítima foi deixada uma carta com ameaças direcionadas a comunidades indígenas locais e também à Força Nacional de Segurança Pública, que atua no entorno.
"Sempre recebemos ameaças. Falaram que a nossa cabeça está valendo dinheiro. Estamos com muito medo, essa noite ninguém conseguiu dormir na aldeia”, afirmou Bernardo ao g1.
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A morte de Everton aconteceu em meio a um conflito histórico por terras na região oeste – e que tem sido marcado pela escalada de violência contra os indígenas. Desde a construção da Usina de Itaipu, quando diversas regiões rurais foram alagadas, comunidades reivindicam a demarcação de novas áreas. Entenda o conflito mais abaixo.
Segundo o cacique, no dia do crime, Everton havia saído para jogar futebol em uma comunidade vizinha e não retornou. Na madrugada, a família foi informada sobre a localização da cabeça do jovem e, a cerca de 150 metros dali, o corpo e a moto que ele utilizava.
Everton Lopes Rodrigues tinha 23 anos
Cedida pela família
Em nota, a Polícia Civil do Paraná (PC-PR) informou que as circunstâncias do crime estão sendo investigadas e os materiais encontrados no local foram recolhidos para perícia.
As diligências estão em andamento em conjunto com a Polícia Federal (PF) para identificação dos autores. A assessoria da PF disse que a corporação não vai se manifestar até o fim dos trabalhos.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou que Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) está em operação em Guaíra e destacou que, após o homicídio, reforçou a segurança na região.
O g1 entrou em contato com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.
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Comunidade em alerta
Vilma Rios é uma das lideranças indígenas da TI Guasu Guavirá
g1 Paraná
Vilma Rios, liderança da Organização de Mulheres Indígenas da Terra Indígena (TI) Tekoha Guasu Guavirá, relata que o clima na região é de medo e apreensão.
Segundo ela, a carta deixada junto ao corpo contém ameaças diretas a indígenas, inclusive a crianças que utilizam o transporte escolar diariamente.
"As ameaças são eminentes e reais. A carta é um aviso para nós e para a Força Nacional", afirma.
Um dos trechos ameaça que, caso as ordens de desocupação das terras não sejam cumpridas, ônibus com crianças indígenas poderão ser incendiados.
“Falam que vão queimar os ônibus com as crianças dentro. Como vamos defender nossas crianças de algo tão cruel? Eu não quero mandar minhas filhas para a escola”, disse Vilma.
A liderança informou que a comunidade pretende realizar reuniões com pais e mães para discutir estratégias de proteção às crianças da Terra Indígena Guasu Guavirá.
"Estamos com medo, mas não vamos recuar. A única forma de justiça é continuar resistindo", afirma.
Região enfrenta conflitos históricos
O conflito por demarcação na região oeste do estado é histórico e muitas das terras hoje ocupadas por indígenas não passaram por processo oficial de regularização fundiária. Enquanto a solução não acontece, episódios de violência tem sido cada vez mais frequentes.
Em janeiro deste ano, por exemplo, um ataque a tiros contra a aldeia Yvy Okaju, em Guaíra, deixou quatro pessoas feridas. Um jovem de 25 anos ficou paraplégico após ser atingido. Em 2024, foram pelo menos cinco situações de embate registradas na região.
Para tentar solucionar os conflitos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) iniciou, no dia 23 de junho deste ano, a avaliação de terras que serão adquiridas pela Itaipu Binacional para destinação a comunidades indígenas.
Conflitos envolvendo indígenas no Paraná se estende por décadas
RPC
As áreas atenderão 31 comunidades localizadas nas Terras Indígenas (TIs) Tekoha Guasu Guavirá e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga, distribuídas entre os municípios de Guaíra, Terra Roxa, Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Missal, Itaipulândia e Santa Helena. Cerca de seis mil pessoas devem ser beneficiadas.
A medida faz parte de um acordo de conciliação homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março deste ano, que autorizou a Itaipu a adquirir, em caráter emergencial, até 3 mil hectares de terras para reparar os impactos da construção da usina.
O investimento previsto é de até R$ 240 milhões, com recursos próprios da hidrelétrica.
Não há data, entretanto, para a aquisição e distribuição das terras.
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